Aqui Só Tem Tutano - Pte. 2Exemplo

Rebanho e pastores segundo o coração de Deus

Introdução

Há uma cena comovente nos Evangelhos em que Jesus, olhando para as multidões, sente compaixão porque estavam “aflitas e desamparadas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9:36). Esta imagem de um rebanho sem direção, vulnerável e necessitado, tocou profundamente o coração do Senhor. Sua resposta revela algo fundamental sobre o caráter de Deus: Ele nunca deixa Seu povo sem liderança, sem cuidado, sem direção.

Ao longo da história, Deus chamou pessoas diferentes, em circunstâncias e idades diferentes, para pastorear Seu povo. Chamou Jeremias ainda no ventre materno, Isaías em meio a uma crise nacional e Paulo justamente enquanto perseguia a igreja.

É Deus quem dá pastores à igreja. O pastor não é um voluntário, mas alguém chamado. O ministério não é procurado; é recebido. A vocação não é terrena; é celestial. A motivação não está em vantagens humanas, mas no desejo profundo de cumprir o propósito divino.

Contudo, Deus também deseja formar um tipo especial de rebanho. Pastores e rebanho são chamados a refletir o coração do Senhor. Ambos têm responsabilidades mútuas, ambos participam da missão divina, ambos são convidados a viver para algo maior do que si mesmos.

Hoje vamos refletir juntos sobre o que significa ser, e ter, pastores segundo o coração de Deus, e como o rebanho pode corresponder a esse chamado.

1. A iniciativa divina

É Deus quem dá. É Deus quem escolhe. É Deus quem chama. É Deus quem capacita. É Deus quem envia. Esta verdade carrega implicações profundas tanto para pastores quanto para o rebanho:

1.1 Implicação para os pastores

O ministério não é uma carreira escolhida, mas um chamado recebido. Não é uma posição conquistada por mérito, mas uma vocação concedida por graça (1Tm 1:12).

O pastor não é proprietário do rebanho, mas mordomo temporário. Não é a fonte da autoridade, mas canal da autoridade divina. Não pastoreia por direito próprio, mas por designação do Supremo Pastor.

Essa consciência gera humildade. Como pode um pastor se orgulhar de sua posição, sabendo que ela é dom imerecido de Deus? Como vangloriar-se de talentos ou conquistas?

Ao mesmo tempo, essa certeza produz segurança. O pastor que sabe que foi chamado por Deus não precisa constantemente provar seu valor ou justificar sua posição. Não depende da aprovação humana, porque sua legitimidade vem do chamado divino. Como Jeremias, pode enfrentar oposição e dificuldades com a confiança firme de que Aquele que o chamou é fiel.

1.2 Implicação para o rebanho

A iniciativa divina na escolha dos pastores revela que a liderança espiritual é um presente de Deus à igreja (Ef 4:11-12).

Isso não significa perfeição nem infalibilidade, mas que, apesar das limitações humanas, Deus escolheu pastores como instrumentos do Seu cuidado e orientação.

Reconhecer isso gera gratidão e receptividade (Hb 13:17). A postura fundamental do rebanho deve ser reconhecimento grato: pastores são dádivas de Deus, escolhidos não por perfeição, mas por propósito divino.

Tanto pastores quanto rebanho precisam lembrar constantemente: a iniciativa é de Deus. Ele dá. Ele chama. Ele capacita. Ele sustenta. Essa consciência nos livra do orgulho e do desprezo, da presunção e da rejeição.

Nossa escolha para o serviço, assim como para a salvação, não se fundamenta em méritos, mas na graça. É Deus quem coloca cada membro no corpo como Lhe apraz.

2. O padrão divino

A segunda parte da promessa de Deus estabelece o padrão para o pastorado: “segundo o meu coração”. Não segundo as expectativas culturais, modelos empresariais ou preferências pessoais, mas segundo o coração de Deus.

2.1 O que significa ser um pastor segundo o coração de Deus?

· Ama as ovelhas. O verdadeiro pastor ama profundamente o rebanho. Não pode representar o Bom Pastor sem esse amor sincero e sacrificial, pois Jesus deu a vida pelas ovelhas. Este amor não é sentimentalismo ou permissividade, mas zelo que busca o melhor para as ovelhas, mesmo quando exige disciplina ou correção. É um amor que se incomoda, se sacrifica e permanece presente nas horas difíceis.

· Serve com integridade. Integridade não é perfeição absoluta, mas coerência entre o que se prega e o que se vive; entre o público e o privado; entre palavras e ações.

· Conhece as Escrituras e as ensina fielmente. Acima de tudo, o pastor é um ministro da Palavra. Estuda, compreende e comunica as Escrituras com fidelidade e relevância.

· Busca os perdidos. O coração de Deus arde pelos afastados ou nunca alcançados. Um pastor segundo o coração de Deus carrega essa paixão evangelística e missionária.

2.2 A expressão “segundo o meu coração” também traz implicações para o rebanho:

· Responde ao amor com amor. Reconhece a voz do pastor, responde ao cuidado com confiança e se deixa conduzir.

· Valoriza integridade acima da performance. Não busca líderes que apenas entretêm ou impressionam, mas líderes que vivem o que pregam, lideram com autenticidade e servem com humildade.

· Ama a Palavra e deseja crescer por meio dela. Como os bereanos, examina as Escrituras, buscando ensinamentos que transformam o coração (At 17:11).

· Compartilha a paixão pelos perdidos. Não se contenta em ser um clube exclusivo, mas participa da missão de buscar e salvar os perdidos, apoiando seus pastores no evangelismo e na missão.

3. O propósito divino

A terceira parte da promessa revela o propósito do pastorado: apascentar o rebanho com conhecimento e inteligência. Não apenas suprindo necessidades emocionais ou físicas, mas nutrindo mentes e corações com a verdade divina aplicada com sabedoria às realidades da vida.

3.1 Implicações para os pastores:

· Estudante diligente (2Tm 2:15): Quem deseja alimentar outros deve primeiro se alimentar abundantemente da Palavra.

· Comunicador claro: Não basta conhecer a verdade; é preciso comunicá-la com clareza, relevância e aplicabilidade.

· Conselheiro sábio: O conhecimento bíblico deve ser aplicado com discernimento, sensibilidade e dependência do Espírito.

· Exemplo vivo: Ensina pelo que é, sendo seu caráter e conduta sermões silenciosos que marcam o rebanho.

3.2 Implicações para o rebanho:

• Valoriza o conhecimento bíblico. Não busca apenas experiências emocionais, mas deseja crescer no conhecimento de Deus e de Sua Palavra.
• Aplica a verdade à vida. O verdadeiro discipulado não se mede pela quantidade de versículos decorados, mas pela transformação do caráter e da conduta.
• Busca conselho sábio. Membros maduros reconhecem a necessidade de orientação e se abrem à sabedoria dos seus líderes espirituais.
• Segue exemplos dignos (Hb 13:7). Aprende tanto pelo ensino formal quanto pela imitação de modelos vivos de fé.

O objetivo de apascentar “com conhecimento e inteligência” é conduzir o rebanho à maturidade. Ovelhas bem cuidadas - sem carrapatos, sem feridas, bem alimentadas - são aquelas que também produzem fruto: oferecem em troca sua gordura e lã, e sabem que sua missão é multiplicar e crescer o rebanho.

Ovelhas maduras entendem o valor da unidade: vivem juntas, rejeitam a rebeldia e o isolamento, e não assumem atitudes de bodes ou cabritos - marrentos, briguentos, murmuradores e turrões. Preferem águas tranquilas a turbulências, pastos verdejantes à secura espiritual.

Uma igreja madura é resultado de pastores que apascentam com ciência e inteligência, e de um rebanho disposto a crescer, servir e viver em comunhão.

Considerações finais

Cristo, o Pastor perfeito, decidiu estender Seu pastoreio por meio de subpastores humanos, imperfeitos, mas chamados, equipados e enviados.

Para os pastores, hoje é dia de renovar o compromisso com o chamado divino. Para o rebanho, é dia de expressar gratidão, renovar o compromisso de ser um povo segundo o coração de Deus.

Um dia, o pastoreio humano chegará ao fim. Então, como está escrito: “O Cordeiro... será o seu pastor e os guiará às fontes de águas vivas” (Ap 7:17). Naquele dia, todos os subpastores entregarão seus cajados ao Supremo Pastor, e todo o rebanho se reunirá sob Seu cuidado perfeito.

Até lá, continuemos, pastores e rebanho, refletindo o coração de Deus em nossos relacionamentos, ministérios e missão.

Amém.